quarta-feira, 27 de abril de 2011

Um novo projeto

    Eu comecei a escrever um segundo blog. Todas as postagens que eu publicar no referido, eu exporei aqui. Explico o motivo: enquanto este blog aqui tem o propósito único de se mostrar textos avulsos, sem um sentido de projeto por trás, o outro é exatamente isso, um projeto. Enfim, leiam o blog e entenderão melhor. Mas não deixarei para trás este aqui não.   
     Grande abraços a todos.

     Link para o blog: http://elegiasdeduino.blogspot.com/

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Subindo a encosta

     
Quando peguei pela primeira vez um livro de Friedrich Nietzsche nas mãos, incentivado a lê-lo por meu querido Sebastião Simão Filho, que já há algum tempo não vejo, não imaginava que iria me encantar de tal maneira pelos desafios que ele propõe. Naquela época eu fazia teatro e enfrentava grande insegurança num lugar onde não se poderia ter medo de se jogar os dados.
     Até eu ler o trecho em que Zaratustra dizia para o equilibrista moribundo depois de um atentado de outro equilibrista que o quisera atropelar na corda bamba: “fizeste do perigo o teu ofício, coisa que não é para se desprezar”. Então percebi que eu estava muito seguro numa das plataformas que ligam um lado e outro da corda bamba, e que teria muita dificuldade para me arriscar a dar um primeiro passo naquela linha tênue em direção ao outro lado. E era isso o que o teatro me exigia, que eu chegasse ao outro lado. Se eu olhasse para baixo, com certeza eu cairia.
     Hoje sei bem que, apesar de conseguir chegar até a metade da corda, caí quando olhei para baixo e vi lá pessoas queridas gritando para mim:
     “Você não vê que andar de um lado a outro da corda bamba não vai te trazer dinheiro, conseqüentemente, não terás conforto, nem mulheres, logo, não terás felicidade?”.
     “Onde você vai viver? Vai ser sustentado pelos pais para sempre?”
     Sucumbi então a esse tipo de terror psicológico. Lembrei que fazer teatro não era de graça. Percebi que a maioria dos grandes artistas tinham morrido sem serem reconhecidos em vida, pobres conseqüentemente;  suas viúvas, porém lograram conforto e riquezas com o sucesso posterior de seus maridos. Mas essas glórias póstumas não me consolavam, pois eu ainda não tinha feito nada que fosse grande e merecedor da posteridade. Hoje, vejo que ser artista não é estar no palco, eu também estive lá. Ser artista é atravessar a linha sem olhar para baixo, ou cair encarando o horizonte. Eu caí imaginando o abismo negro e profundo embaixo de meus pés.
     Nietzsche continuava pregando que devemos explorar nossos limites. Isso consiste em conseguir liberar nosso espírito criador, um espírito que não se detém pela inibição, pela timidez, pelo medo, pelas palavras doutrinárias de seitas religiosas ou de indivíduos singulares. O problema é que eu via em Nietzsche palavras doutrinárias, e fiquei com a sensação de desconforto de, ao acabar de ler suas palavras, não conseguir abandoná-las, não as considerar simplesmente uma inspiração para o caminho que eu devia procurar sozinho, eu, meus pensamentos e minha ousadia, que eu deveria buscar.
     Agora já faz três anos que eu não faço teatro, não convivo mais com a busca pela criação. Nesses últimos anos, com os estudos para o vestibular, me acostumei com a criação dos outros. O que estudamos em história supostamente são as histórias mais relevantes em um nível mais amplo das histórias individuais, mas biografias ocasionais expunham o quão criativos, ousados e dignos de figurar na memória de todos tais biografados eram; por trás da física, da química, da biologia, há o raciocínio criativo de grandes pesquisadores que possibilitaram tais descobertas.
     Por muito tempo me resignei com esses saberes alheios, admiráveis, mas não meus. Aos poucos fui me esquecendo das palavras de Nietzsche, mas não procurei meu próprio caminho, minha própria criação; nunca abandonei o conforto. Estudei para ganhar dinheiro. E não ousei. Não que eu não seja capaz de ousar na faculdade: posso me aventurar nas pesquisas, não ter medos de encarar as possibilidades que me surgem.
     Mas um dia acordei com as lembranças de um outro texto de Nietzsche, um poema de duas linhas inserido em “A Gaia Ciência”:

                                   A encosta
      “Como é que se deve subir a encosta?”      
     Simplesmente sobe e não penses nisso!

     E então eu entendi porque olhei para baixo: eu pensara demais. Ser artista, pois, era agir sem pensar, transcender ao eu e encontrar o si mesmo. Vi, então, que apesar de ter caído da corda bamba, nada poderia me impedir de subir novamente no picadeiro. A busca pelo meu caminho próprio deveria continuar. Eu deveria aprender a ousar, a experimentar, com meu corpo, com meus gestos, aquilo que poderia, pelo meu medo, quebrar a minha coluna.
     Comecei a praticar a patinação. Sinto que pela primeira vez estou realmente ousando comigo mesmo. Não tenho medo de cair, e estou sempre olhando para o horizonte. O que procuro já não é a segurança, é justamento o contrário, o risco e a instabilidade. Não imaginas como ela me faz bem.
     Já estou em cima da plataforma novamente. Estou pronto para dar um novo primeiro passo.
      

domingo, 17 de abril de 2011

Sobre algumas futuras postagens.

O título desse blog é ciência e filosofia, e até agora, não escrevi nada relacionado a ciência, tampouco à filosofia: alguns posts mencionam filósofos e algumas idéias filosóficas, mas nada que se possa dizer ser realmente uma análise. Acontece que pus esse título acreditando que realmente iria abordar esses temas, mas logo senti que não tinho bases sólidas para isso. Pretensão de minha parte, eu sei.
     Irei, porém, fazer o seguinte: vou ler livros de história da filosofia, ler livros de outros filósofos além de meu grande mestre Nietzsche, e o que me encantar irei comentando aqui; além disso, irei lendo as matérias da Scientific American, Ciência Hoje e outras revistas científicas, e o que eu achar interessante posto tentarei fazer uma analise por cima, mas não tentarei ser o mais científico e pragmático possível. Pelo contrário, pretendo fazer comentários que possam interagir com outras áreas, particularmente as ciências sociais.
     Então é isso. Continuarei aos poucos o meu texto literário “Quando Chegamos em Casa” sem pressa e o escreverei quando tiver vontade. Ele, apesar de querer muito ser concluído, não é entretanto minha prioridade no momento.
     Até a próxima postagem. 

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Quando chegamos em casa - Quando a sorte escapa pelas mãos

O que segue abaixo é uma pequena obra literária. Será dividida em quantas partes forem necessárias. Escreverei aos poucos, bem à maneiras dos folhetins do século XIX. Sua estrutura, apesar de poder parecer estranha, de certa maneira é um exercício de montagem cinematográfica, onde se tenta ignorar repetições e dinamizar as ações tanto em âmbito espacial quanto temporal. Deixando as explicações de lado, vamos ao texto.

QUANDO CHEGAMOS EM CASA

Capítulo 1
Quando a sorte escapa pelas mãos

     A casa onde eu morei era uma tapera de paredes mal caiadas em que não era necessária grande atenção para perceber as imperfeições do acabamento de um pedreiro que se chamava meu pai,
     Buracos irregulares nos tijolos, aproveitados de metralhas de construções nos arredores, as junções mal cimentadas,
     — E não tem dinheiro pra comprar seus próprios tijolos, comentavam nossos vizinhos, ao invés de juntar, vai comprar cachaça no boteco mais próximo,
     — E não tem dinheiro para comprar o próprio cimento, continuavam,
     E lá estava nosso pai, num boteco na cidade próxima,
     O caminho para a cidade era um caminho incerto, cheio de pedras, seco como um inferno,
     — O tempo e o sacrifício que ele poderia dedicar cuidando dos filhos ele gasta vindo pra cá, os vizinhos se tornavam cada vez mais eloqüentes em suas análises sobre o meu pai,
     Duas horas numa carroça velha, e a roda ainda quebrou um dia, mas bêbado persistente que era, foi o resto do caminho a pé mesmo, que lá tinha água à sua espera,
     E entortando o décimo primeiro copo, caiu no chão, pois água é o que faltava naquelas redondezas, mas seu derivado alcoólico com dois contos se conseguia fácil,
     E eu entortava as ultimas gotas que havia num velho recipiente de vidro que guardávamos com todo o cuidado, pois o dinheiro que perderíamos na reposição se aquele quebrasse,
     Meu pai, ao chegar em casa, se cortou com cacos de vidro espatifados no chão,
     As mãos do meu irmão eram muito pequenas para segurar com segurança aquele velho recipiente,
     — Soube que o menino seu filho levou uma surra das boas ontem, por causa de um copo quebrado, faziam chacota nossos vizinhos,
     Nosso pai entortava outro copo durante a chacota, sua vontade de beber era maior que a dor que ele sentia na sola dos pés cortados,
     Peguei uma camisa velha minha, embora fosse uma de minhas únicas, cortei com um dos cacos quebrados que não foram melados de sangue uns pedaços de tecido,
     — Deixa como está, disse-me meu pai recusando a estirar sua perna, não precisa remendar, vai sarar sozinho, como sempre aconteceu até hoje,
     — Perdi uma camisa à toa, reclamei a meu Deus durante minhas orações noturnas, na esperança de que ele pudesse me comprar outra,
     Cinco camisas, duas calças e um par de sapatos, todos com rasgos, eis minha coleção de vestimentas despojadas e modernas,
     — Lá vai o menino com seus trapos, riu alguém na cidade ao me ver,
     — Sabe onde está meu pai, perguntei a esse alguém cujo nome insignificante,
     Entrei com muita raiva nesse dia no estabelecimento denominado bar, parti pra cima de meu pai lhe desferindo um soco,
     — Que coisa feia, Geraldo, apanhando do próprio filho, riu um dos bebuns ao lado, enquanto os outros em coro gritavam como os macacos peludos que eram,
     — Vai revidar não, Geraldo, punham em sua cabeça frágil idéias toscas,
     Meu pai olhou nos meus olhos, percebia nos seus sinais de tristeza, sentimentos de humilhação, agonia, o que mais existisse de sentimentos que causam comoção em quem quer que seja,
     Suas mãos foram muito rápidas em seu golpe, ele guardava o pedaço de vidro que lhe havia cortado os pés há duas semanas de maneira providencial em sua mão direita,
     Não pude entrever, no entanto, a raiva discreta nem o impulso da vingança contidos em seus olhos, como eu sou cego,
     A minha sorte estava lançada, eu naquele momento, deitado no chão com muita dor sentido o sangue escorrendo em minha barriga, já não poderia saber o que seria de mim,
    
(Fim do primeiro capítulo)
    
        

sábado, 9 de abril de 2011

Contra o luto da mídia

     

     Não há paredes suficientes para fazer ecoar os gritos de mães que tomaram em suas mãos o sangue morto de seus rebentos; e mesmo que as houvesse, quais ouvidos seriam capazes de tais gritos compreender? Quais seriam capazes de traduzir em frases bem estruturadas, em argumentação lógica, um estado de espírito coletivo onde a lógica parece não ter mãos suficientes que a possam sustentar? Mas ainda assim, diante de tanto sangue e sofrimento, é preciso que se encontre uma base lógica para o caso, uma base guiada pela falta de descriminação e julgamentos prévios para com o assassino Wellington Menezes de Oliveira. Só assim se evita o poder negativo da mídia sensacionalista, que infelizmente hão de explorar essa história como alguém que para fazer suco de laranja a espreme com muita força até tirar a ultima gota, e para deixá-lo ainda mais doce, põe bastante adoçante, que é para não engordar. O efeito, por ironia, será o oposto, já que muita gente “indignada”, ao invés de ir para as ruas fazer seu papel social, ficarão presas às “notícias urgentes” de repórteres como Datena por muitas semanas, se esquecendo de que o planeta, em escala humana, é imenso, mas ao mesmo tempo, pequeno demais para que os problemas internacionais não nos afetem; essas pessoas vão ficar morbidamente obesas: adoçante só é para quem é diabético!!!

     Pois o fato é que esse caso deve ser explorado sob as luzes da sociologia e da psicologia.
     É um fato triste que, depois de 21 anos desde que se houve notícias do primeiro incidente dessa natureza, venha a chegar numa escola brasileira barbárie semelhante. O problema é que esse incidente cruel é uma peça de dominó que empurrará a procedente num jogo de colunas, é uma reação em cadeia que se tem início e, se tem fim, nunca saberemos qual será a ultima pedra branca a cair. Uma pedra, porém, só cai se é empurrada por outra. A questão que proponho: quais são os mecanismos que fazem com que a peça seguinte caia?
     Tem o ato em si. O assassino provavelmente sabia que chamaria atenção da mídia nacional e internacional, a não ser que o crime tenha sido passional, o que não foi o caso. Aí é que está o problema: de fato, a mídia ficou impressionada, e como ela age de acordo com as reações emocionais do público, começam a chamar o assassino de monstro, de anomalia mórbida, de corpo sem dignidade, para exaltar ainda mais a reação de ódio.
     Tem também a questão da comoção internacional, de um prolongado luto, que pode durar muito tempo, tendo às vezes até memoriais e passeatas anuais no aniversário das tragédias.
     Ninguém gosta de ser esquecido. Com exceção de poucas pessoas, todo mundo deseja ser eterno de alguma maneira, seja realizando uma obra artística ou humanitária significativa, seja construindo pilares para o futuro. Mas também, há a maneira mais cruel, e muito mais imediata, de ficar na memória das pessoas.
     Agora, imaginemos a mente de uma pessoa que sempre se sentiu um invisível para o mundo, e não só para o mundo, mas para todos os seus próximos. Uma pessoa que não enxergava diante de si, mesmo que as houvesse, oportunidades de crescer de alguma forma. A maioria desses casos, se não todos, foram motivados pelo bullying que os assassinos sofreram. Isso não é novidade, e é amplamente explicitado pela mídia. Diante do bulliying, eles se sentem oprimidos, se sentem passivos. E já começam em suas cabeças a sonhar com a atividade, em ser capaz de anular a atividade dos seus opressores. Tem gente que consegue criar certos mecanismos de defesa, como deixar a sua voz mais alta, a fim de ser escutado por todos, mas de uma forma não natural; outros conseguem levantar o olhar antes cabisbaixo e olhar olho a olho, sem desviar de seus possíveis interlocutores. Não sei se aqui se adéqua 100%, mas podemos até dizer que é um caso de seleção natural Darwiniana, em que os que sobrevivem se tornam mais fortes, e os mais fracos perecem.
     Perecem ao cansaço, à passividade, ao olhar que perde sua capacidade de se surpreender. Ficam sozinhos com seus próprios pensamentos, que vão ficando cada vez mais sombrios e egocêntricos, ou seja, a noção de coletivo e comunidade vão ficando distantes no que concerne ao seu desenvolvimento como fruto de união. Imagens de pessoas de mãos dadas vão ficando sem sentido para eles – e seus objetivos se concentram em como cortar com uma tesoura as mãos que unem as pessoas.
     Uma das imagens mais significativas do filme sueco “Deixe Ela Entrar” é aquela em que o garotinho Oskar, de 10 anos de idade, sozinho em seu quintal, começa perfurar com uma faca afiada o tronco de uma árvore e dizer: “Grita, grita!” Ele sofria sérios bullyings físicos na escola, e guardava seu sofrimento para si, até conhecer a vampirinha que se torna sua paixão e confidente. E aí está outro problema: ninguém gosta de ouvir as lamentações dos outros, e se a escutam, logo fala para o lamentador que ele deve tentar lidar sozinhos com seus problemas, pois cada um tem os seus próprios. E isso salienta ainda mais seu isolamento.
     Então, uma hora, eles explodem. Resolvem ter o poder uma única vez. Resolvem entrar para a história, mesmo que seus nomes fiquem tachados eternamente como monstros e desumanos. O que importa é que logo em seguida ninguém o esqueceria, todos iriam querer saber quem ele era. Ele ficaria para a história, para o bem ou para o mal. Só assim sua voz seria escutada.
     É um efeito de espelho: o próximo assassino verá a comoção mundial, e irá querer imitá-los (não é a toa que todos se suicidam).
     Mas, se todos esses casos são efeitos dominó ou de espelho, porque o primeiro desses casos aconteceu, se não havia precedentes? Minha opinião: os EUA são um país com a mentalidade armamentista arraigada, neurótica e com medo. A soma de tudo isso faz com que armas sejam de fácil acesso. Esse primeiro caso é fruto da paixão por armas dos EUA. Talvez eu esteja sendo preconceituoso, e se estou, gostaria de ouvir argumentos contra essa afirmação.
     Enfim, espero que esse texto sirva como uma pequena reflexão. Só depende de cada um de vocês se vão dar corda para a mídia sensacionalista. Ela é a maior responsável por tudo isso.



              

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Crítica Musical - O Lago dos Cisnes

O LAGO DOS CISNES

     Minha amiga Poliana Dantas, depois de ler minha resenha sobre o Concerto para Violino e Orquestra de Tchaikovsky, me pediu para fazer uma outra sobre O Lago dos Cisnes do mesmo compositor, desejosa de que minha análise pudesse lhe auxiliar na crítica da película Cisne Negro, e cá estou eu tentando esboçar essas linhas. Não sinto que minha análise vá ser algo relevante para a historiografia musical tampouco para quem quer que seja, e nem é minha pretensão que o seja, e desde já afirmo que aqui postarei minhas sensações particulares, ocasionalmente farei comparações com a trilha sonora de Cisne Negro, comentando o uso de trechos de O Lago dos Cisnes com sua partitura original, assim com os arranjos de determinados trechos da obra pelo compositor cinematográfico Clint Mansell, e inserirei, talvez de maneira muito pouco analítica, informações históricas a respeito do balé que possa ter influenciado o que ela é hoje como partitura.
     Tchaikovsky, como afirmei em minha análise sobre a obra anteriormente criticada, não é um compositor muito original. Sua orquestração muitas vezes se repete em estilo, a interferência dos instrumentos de sopro tanto como naipe principal como baixo, ou seja participações sutis de acompanhamento ou efetivas nos movimentos lentos, ou seja, tanto como naipe principal ou de baixos, a explosão da orquestra que geralmente é uma explosão que expressa um sentimento de festa, bem diferentemente das explosões das orquestras de Wagner, Bruckner e Mahler: o que o difere dos compositores mencionados no que concerne a esses momentos de maior exaltação é justamente a orquestração e o motivo pelos quais se desenvolvem: as do primeiro ressaltam momentos grotescos das ações grotescas dos personagens grotescos de suas óperas, e os outros dois expressam o sofrimento, da forma mais latente e gritante (Bruckner e Mahler são meus compositores românticos prediletos, e depois farei posts sobre suas obras); quanto à orquestração, Tchaikovsky é extremamente bem comportado  e usa em abundancia todos os intervalos justos, de 3ª e de 6ª, ou seja, todos os intervalos consonantes, perfeitos e imperfeitos, tanto na série como na harmonia entre os naipes, e em cada naipe, entre cada instrumento, o que difere dos outros três, que não buscavam de todo a estranheza da harmonia dissonante, mas a utilizava para ressaltar os sentimentos (os Escolásticos – ou foram os Patrísticos? –  já afirmavam que o belo só existe se em algo bonito existem detalhes feios, alcunhado por mim de “Princípio da Bela e a Fera”, e concordo com eles plenamente).
     Quebrar as amarras, essa ditadura do consonantismo e do tonalismo pregada desde quanto Pitágoras descobriu as relações harmônicas numa lira grega, foi uma das grandes revoluções da música, um grande feito, mas ainda assim, é impossível ignorar o brilhantismo de séculos e séculos de música consonante e tonal, e é essa música que, feliz e infelizmente, dá lucro nesse ramo (pelo menos algo dá lucro nesse ramo!!!).
     E é no passado que Tchaikovsky, assim como Chopin, tinha sua inspiração, sua maneira de conceber a música, com olhos em Mozart e Haydn, aquele sentido clássico em busca da harmonia perfeita, do equilíbrio e da claridade. Mas ao contrário dos clássicos, Tchaikovsky não procurava racionalizar demais sua obra, ele transbordava paixão, era espontâneo, as melodias lhe brotavam na mente com naturalidade. Claro, depois do mecenato de Nadedja Von Meck, quando ele encontrou espaço para se dedicar somente à música, sua inspiração era sua companheira mais íntima.
     Era a época do surgimento das escolas nacionais, onde os autores iam em busca de inspiração. Buscavam-na no folclore típico de seus países. Cesar Franck, Chabrier e Fauré na França, na Espanha e na Inglaterra, a redescoberta desse seu folclore se deu no modernismo, anos depois, embora tiveram base em Debussy e os franceses; agora iremos para a música nacional russa.
      Foram cinco jovens autodidatas, amadores e aventureiros, quem deram asas à música nacional russa: Mily Balakirev, César Cui, Modest Mussorgsky, Rimsky-Korsakov e Alexander Borodin. Eles trabalham sem interrupção e levaram a revolução aos meios musicais mais conservadores, voltados para a música ocidental. Se não fosse a simpatia do célebre crítico musical russo da época, Vladimir Stassov, que os batizam de Grupo dos Cinco, o grupo seria talvez ignorado na época. Essa época foi de uma vivacidade impar, eu estive lá!!!
     Mas Tchaikovsky, apesar de admirar esses músicos, tinha sua estética mais voltada para o ocidental. Não que ele não tivesse amor pela música russa, ele mesmo buscou inspiração no folclore de seu país, e em o Lago dos Cisnes, podemos perceber de leve em alguns momentos essa inspiração. De qualquer maneira, ele se tornou uma espécie de porta voz da música russa no mundo, por turnês que fez na França e nos Estados Unidos, e hoje, é reconhecido na Rússia como uma autêntica alma russa, o grande músico russo. No estrangeiro, ele não é nada mais que um romântico tardio, e o interesse pelo Grupo dos Cinco, especialmente por Rimsky-Korsakov e Mussorgsky, é muito maior, pelas ousadias e inconformismo que suas obras trazem. Não deixa de ser uma coisa triste esse fato, pois, assim como no Japão, onde os japoneses vêem nesses ramos musicais e teatrais o que se exportar não a musica tradicional de seu país, seus instrumentos tão exóticos, seus bugaku, gagaku e nô, um país onde até o kabuki está se ocidentalizando cada vez mais, eles exportam música japonesa ocidentalizada, sem nenhuma referencia ao seu país. Tchaikovsky, é, assim, intitulado como a mais pura personificação da alma russa.
     Mas isso não é exatamente uma crítica minha contra Tchaikovsky, apenas uma observação. Eu o admiro muito. Sinto muito prazer em ouvir suas sinfonias. E é isso que ele é, um grande sinfonista.
     Os balés eram compostos geralmente por compositores menores que se dedicavam exclusivamente a isso: escrever música para balés. Tchaikovsky, ao escrever o Lago dos Cisnes, se tornou um dos primeiros sinfonistas a escrever balé.
     O libreto de Vladimir Begtichev e Vasily Geltzer conta a história da princesa que é tranformada em cisne pelo cruel Mago Rothbart, e é dividido em quatro atos, que copio sem piedade da Wikipédia:

Ato I
No castelo realiza-se com toda a pompa o aniversário do príncipe Siegfried. A rainha oferece ao filho como presente uma balestra e pede-lhe que, no dia seguinte, escolha uma esposa entre as convidadas da festa. Quando os convidados saem do castelo, um grupo de cisnes-brancos passa perto do local. Enfeitiçado pela beleza das aves, o príncipe decide caçá-las.
Ato II
lago do bosque e as suas margens pertencem ao reino do mago Rothbart, que domina a princesa Odette e todo o seu séquito sob a forma de uma ave de rapina. Rothbart transformou Odette e as suas donzelas em cisnes, e só à noite lhes permite recuperarem a aparência humana. A princesa só poderá ser libertada por um homem que ame apenas ela. Siegfried louco de paixão pela princesa das cisnes, jura que será ele a quebrar o feitiço do mago.
Ato III
Na corte da Rainha aparece um nobre cavalheiro e sua filha. O principe julga reconhecer que a filha do nobre cavalheiro Odile é a sua amada Odette, mas na realidade por baixo das figuras do nobre cavalheiro e a sua filha escondem-se o mago Rothbart e a feiticeira Odile. A dança com o cisne negro decide a sorte do principe e da sua amada Odette: enfeitiçado por Odile, Siegfried proclama que escolheu Odile como sua bela futura esposa, quebrando assim o juramento feito a Odette.
Ato IV
Os cisnes brancos tentam em vão consolar a sua princesa. Mas Odette destroçada pela decisão do príncipe, aceita a sua má sorte. Nesse momento surge o príncipe Siegfried que explica a donzela como o mago Rothbart e a feiticeira Odile o enganaram. Odette perdoa o príncipe e os dois renovam os votos de amor um pelo o outro. O mago Rothbart, impotente contra esse amor, decide se vingar dos dois e então inunda as margens do lago, Odette e as suas donzelas logo se transformam em cisnes novamente e o príncipe Siegfried tomado pelo desespero se afoga nas profundas e turbulentas águas do lago dos cisnes. O príncipe não sobrevive. É a morte de amor.

     Claro, a coreografia sempre muda de uma montagem a outra, embora sejam mantidos os esquemas de Pas de deux, de trois, etc; o enredo por vezes é levemente alterado. De qualquer maneira, quando ouvimos falar de balé, imediatamente nos vêm à cabeça esse O Lago dos Cisnes. De fato, esse é, e não consigo entender o motivo, o balé mais popular de todos os tempos. Existem outros muito mais maravilhosos, como o Romeu e Julieta de Prokofiev, ou O Mandarim Miraculoso de Bartók, o número de montagens dessa peça é infinitamente maior que as mensionadas, no entanto.
     O filme Cisne Negro abre apropriadamente com a Abertura do Lago dos Cisnes, onde Rothbart transforma Odile em Cisne Branco numa coreografia à la Bolshoi, e termina exatamente com o encerramento do Balé, com a morte de Odile e, secundariamente, de Nina também.
     A música de Clint Mansell para o filme se resume a arranjos da obra de Tchaikovsky, algumas delas tocadas de maneira diegética, como nas cenas de ensaio, tanto para piano como para piano e violino: falo da música da terceira cena do balé, um Allegro moderato divertidozinho, e do Pas de Deux entre Odile e o Principe Siegfried, em movimento Andante. Outras músicas do filme são mais discretas, tiradas de notas relativamente soltas na obra original, que não chamam muita a atenção do ouvinte, e que Clint conseguiu dinamizar mais no andamento, suprimindo um tom mágico e pondo em um tom mais tenso e misterioso, como na cena em que Nina vê seu reflexo negro num trem, logo no início do filme (é a música em que o Principe jura amor eterno à Odette).
     O desenvolvimento desse ato, o dois, é muito bom, em que sentimos o clima de uma falsa esperança, de uma alegria que é só passageira, uma alegria repleta de cinismo da parte do compositor. É a música que expressa a arte de enganar o próximo: ele nos engana com a promessa da felicidade. Esse ato dois é pleno da mais cínica alegria, onde há também agilidade e dinamismo, além de divertimentos musicais, que expressa a pureza do amor do príncipe e de Odette. Já escutamos aqui, de leve, no baixo da orquestra, o jogo que permeará o terceiro ato, o de Odile.
     O terceiro ato é o mais interessante: Siegfried declara seu amor por Odile, quebrando a promessa feita a Odette. A música desse ato é a mais sombria da obra, mas isso não significa que ela não seja leve. De qualquer maneira, expressa o sentimento de estarmos entrando num ambiente perigoso à nossa própria saúde. Aqui, Odile, o Cisne Negro, dá as caras, e, pelo fato de sabermos como a história acaba, é sempre um prazer ver a arte da enganação. Sem Odile, o Lago dos Cisnes seria das histórias mais insossas que já foram criadas.
    
     Enfim, não vou prolongar esse post, já estou exausto de escrevê-lo, e, por mais que sinta que falta ainda muita coisa, muita informação, na tentativa de por essas informações poria um tanto mais de texto prolixo e entediante. Deixo que vocês escutem a peça e completem as lacunas que quiserem.

     E Odette (Nina) pula do penhasco e morre de amor.


   
    
       
    

sábado, 19 de março de 2011

Crítica musical - Concerto de Tchaikovsky para Violino e Orquestra


    

     Parei hoje para escutar um CD, e o escolhido foi uma gravação da violinista e pianista alemã Julia Fischer com a Orquestra Nacional Russa, sob regência de Yakov Kreizberg, selo PentaTone Classics.
     Trata-se do Concerto para Violino e Orquestra de Tchaikovsky. Não há o que se falar desse concerto. Desde criança que eu o escuto ardentemente, e durante vários anos, já adquiri várias versões dessa grande e apaixonada obra, muitas delas de excelente qualidade.
   Pois bem, falemos do concerto. Esse concerto tem um tema inesquecível em seu primeiro movimento, que é desenvolvido primeiramente pelo violino depois de uma breve introdução do mesmo. A maneira como a orquestra acompanha esse tema, com pequenos dedilhados e acordes conjuntos do naipe de cordas dá uma leveza muito bonita. Esse mesmo tema é repetido, e a participação da orquestra aumenta aos poucos: durante esse primeiro movimento, há uma hora em que ela repete o movimento, agora de maneira mais brusca. O tema vai sendo desenvolvolvido. Tem alguns acordes de estrema beleza nas notas agudas do violino, cuja emoção só é possível graças à intérprete - escutei a gravação de Hilary Hahn, e não senti emoção alguma, tinha alguma coisa fria nela, que não interagia bem com a orquestra; Hilary se dá melhor com música contemporânea, o concerto de Schoenberg está fantástico, mas o romantismo não é a sua área -, e Julia Fischer tem um domínio emocional e técnico sensacional. O desenvolvimento das melodias vai ficando claramente paganinianas (Nicollo Paganini foi um virtuose do violino, talvez o maior, e escreveu os 24 Caprichos para violino solo, as obras mais difíceis do repertório violinístico para qualquer violinista, e Julia, em outra gravação, dá um show nesses Caprichos), com aqueles arpégios tão característicos, que lembram o desenvolvimento do concerto para violino no.1 de Paganini. Apesar de não ser muito original, esse desenvolvimento introduz bem a parte final do movimento, que é fechado da maneira que Tchaikivsky gosta: a orquestra muito ativa, rápida, desenvovendo pequenas melodias em vários tons diferentes, em repetições breves que dão enfase e tensão ao trecho procedente. E irrompe numa quebra de melodia onde o violino ataca novamente com uma grande energia. E a orquestra surge novamente, criando uma espécie de fogos de artifício com seus naipes.
     O segundo movimento é bem curto e lento, e não me atrai mais como antigamente. Mas a orquestra e a virtuose dão seu melhor. Começa com temas leves, orquestração predominante de instrumentos de sopro, como flauta, oboé e clarinete, muito parecido com a abertura de alguns trechos de O Lago dos Cisnes, em algumas danças e principalmente no Romeu e Julieta, compostas pelo próprio Tchaikovsky. O desenvolvimento se dá como uma canção suave e delicada (não é à toa que se chama Canzonetta), bonita sim, mas que não sei porque o motivo dela não me animar muito. Apenas acho muito monótono. Talvez esteja saturado da orquestração de sopros. Quando o naipe de cordas dá suas aparições sutis, já me entusiasmo mais. Parece que ele quer nos introduzir a um mundo místico e cheio de magia (e funciona bem em O Lago dos Cisnes, mas aqui tudo me parece sem propósito).
     O terceiro movimento é animado e tem trechos que dariam muito bem no filme Fantasia de Walt Disney. Tem uma marcha lenta mas não menos divertida antes do desenvolvimento da melodia secundária. O tema da marcha vai ficando mais enégico e vira uma dança, depois o naipe de sopros o desenvolve a partir dos seis minutos. Essas marchas também são bem características de Tchaikovsky. E a obra vai se fechando com o festejar da orquestra e do violino.
     Pelo que vocês viram, não acho Tchai muito original, mas ainda assim, esse primeiro movimento é arrebatador, e Julia Fischer me emociona a cada gravação que eu a escuto (estou apaixonado por ela).
     Tchaikovsky é um romantico tardio, quando o Modernismo já estava dando as caras, onde estéticas novas, harmonias mais exóticas estavam dando as caras, Tchai continuava com os acordes consonantes tradicionais, o tonalismo. Mas considero um erro grave subestimá-lo. Ele era um grande melodista, e isso não é algo para se ignorar.

     Se quiserem adquirir o CD, podem comprá-lo na Amazon (nunca comprem música erudita pela Livraria Cultura!!!!), ou então baixá-lo aqui: http://orchestralworks.blogspot.com/2009/10/julia-fischer-tchaikovsky-violin.html 

     É isso, espero que gostem.